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"Fala, Fellow!" Reflexão - o valor e o preço das coisas e um encontro entre Lampião e Eike Batista


Toda sexta-feira publicamos o "Fala, Fellow!", no Instagram. Se você quer participar, envie seu texto ou arte, preenchendo o formulário disponível neste link. Agora, vamos ao evento!


Duas coisas bem distintas: uma é o preço, outra é o valor


Por Mari Savaget


Assim começa uma das minhas músicas preferidas: O Encontro de Lampião Com Eike

Batista, do El Efecto. Como o próprio título deixa bem claro, ela reflete sobre como seria um

encontro e embate entre Eike Batista e sua mentalidade neoliberal e um grupo de cangaceiros às margens do São Francisco.


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A música é de 2012. Mais de 10 anos depois, vivemos a mesma crise (política, moral,

estética) de confusão sobre o que seria o preço e o valor das coisas.


Fico muito feliz ao perceber que, antes tarde do que mais tarde, as discussões a respeito do

futuro da vida no nosso planeta chegaram aos tais tomadores de decisão que mandam e

comandam a engrenagem do mundo. É o que dizem: a crise climática se desenrola em uma

série de eventos extremos que vemos pelas telas dos nossos celulares até que sejamos

nós os que os filmam.


O meu permanente ceticismo em relação às empresas e aos bilionários que se dizem green

e clean vem da percepção escancarada de que eles não entenderam nada sobre o que é o

valor. A maioria das discussões sobre “sustentabilidade” que vêm de cima giram em torno

do preço — o que faz todo o sentido dentro do sistema em que vivemos, não tem como fugir

disso (mas segue me deixando triste).


Deixar a floresta de pé agora virou sinônimo de crédito de carbono e de assets verdes. O

que é melhor do que nada, pelo menos alguma coisa é feita, mesmo que não pelos

melhores métodos.


O valor de uma floresta de pé não tem nada a ver com o preço de um recurso natural vivo

ou de um título imaginário de compensação de carbono. O valor da natureza é intrínseco a

ela. Sabe aquela reflexão sobre a árvore que cai na floresta? Se ninguém viu ou ouviu, ela

caiu? A ideia aqui é mais ou menos essa: se ninguém (humano) pôde aproveitar ou

quantificar o valor (preço) da natureza, ele segue existindo. Falta humildade nessa nossa

espécie que se acha tão especial nesse grande acaso que é a nossa existência.


Uma árvore tem valor porque ela existe e pronto. Podemos, claro, apreciar seu papel em

um ecossistema e no ciclo de vida-morte-vida da natureza, mas é só. Tudo além disso faz

parte desse conto de fadas que chamamos de mercado.


“Domesticar” e coisificar a natureza, pautados sempre pela racionalidade que coloca o ser

humano no centro de todas as coisas, foi, claro, a razão por trás de avanços científicos

essenciais para a nossa existência e vida. Mas foi também o que nos distanciou dessa

existência ou coexistência do valor intrínseco das coisas.


Tudo foi coisificado, tudo foi objetificado, o que nos tirou a perspectiva do todo, da

conectividade.


Normalizamos a desigualdade, a exploração, a violência, o colonialismo e a segregação em

nome de alguns poucos escolhidos enquanto achamos que liberdade mesmo é poder

passar cinco horas por dia no TikTok sendo vendidos confortos materiais para todos os nossos problemas coletivos de ansiedade, depressão e infelicidade geral para com o estado

das coisas.


Tudo virou transação, tudo foi dimensionado em relação ao seu preço — erroneamente

chamado de valor. Não é nem só sobre a natureza. Fomos ensinados a só nos relacionar

uns com os outros onde vemos vantagem, a duvidar sempre do outro — ou, pior, vê-lo

como um competidor —, a fechar os olhos para o sofrimento da maioria das pessoas em

nome do nosso próprio conforto, a achar que poder comprar é o ápice da nossa existência

nesse mundo.


Normalizamos nos sentir tão infelizes e tão sozinhos que nos voltamos para bots criados

para pegar todas as nossas informações e, em breve, nos vender muitas e muitas coisas

que prometem nos salvar, em busca de algum conforto psíquico.


Tenho dificuldade em culpar as pessoas, porque entendo que fomos todos criados para nos

sentir muito bem confortáveis ensimesmados e anestesiados com o tanto de coisas que o

neoliberalismo nos oferece. O problema é sistêmico — e não tem como a gente esperar que

soluções individuais solucionem problemas de sistema.


O que eu acho importante é a gente tentar sensibilizar as pessoas, mostrar que não tá bom

para ninguém que não seja CEO bilionário e que as soluções que nos vendem servem só

para criar pessoas complacentes e anestesiadas.


Fico sempre pensando em formas de a gente relembrar as pessoas inseridas nessa lógica

de anestesia e de separação e individualização de que elas fazem parte dessa mesma

coisa que fomos ensinados a só explorar ou ter medo. Ainda mais considerando que a

maioria das pessoas vive em grandes cidades.


Não é uma coisa simples, mas acho que muito vem da subjetividade. Não descarto a

importância da ciência dos dados quando o assunto é crise climática — precisamos, todos,

nos informar do funcionamento das coisas, do tamanho do problema. Mas não acho que

isso seja o bastante.


Fico pensando sempre no lugar das emoções e da esfera subjetiva na possibilidade de

transformação — que não é imediata, é geracional — da nossa relação com a natureza. Se

sentir parte de algo maior não é, afinal de contas, o sentimento que a humanidade busca

desde que o mundo é mundo?


Somos parte de uma rede de vida tão linda e complexa, que para mim é difícil pensar em

alguma coisa mais incrível do que essa.


O valor disso tudo é imensurável, foge do olho estatístico e ganancioso da modernidade. É

puro sentimento e maravilhamento. Adoro essa palavra, e essa sensação, que tanto nos

falta: o maravilhamento. Se maravilhar com a natureza é, eu acho, uma das ferramentas

mais poderosas da transformação — junto com muita política, claro, não vamos esquecer

de Chico Mendes.

O "Fala, Fellow!" é publicado toda sexta-feira, no Instagram dando voz às ideias, reflexões e talentos da juventude da nossa rede. Esse espaço será dedicado a produções autorais, que podem ter diversas formas: texto, vídeo, arte visual, poesia ou o que a expressão de cada pessoa mandar, desde que tenha a ver com as mudanças climáticas, meio ambiente, sustentabilidade e claro, a COP30 que está aí na nossa porta! E os fellows devem enviar sua colaboração pelo link.


A ideia é inspirar outras pessoas, ampliar e fortalecer a nossa rede, promover a troca e dar visibilidade a atuação de vocês, nossos queridos fellows.



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