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"Fala, Fellow!" Artigo - Educar para permanecer: a urgência da Educação no Campo frente à crise climática

Atualizado: 6 de out.

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Toda sexta-feira publicamos o "Fala, Fellow!" no Instagram. Se você quer participar, envie seu texto ou arte, preenchendo o formulário neste link. Agora, vamos ao artigo!


Por Beatriz Faria Dias


Muito se fala sobre a educação voltada para a crise climática em contextos urbanos. Existe uma concordância na área da educação, principalmente na formação de docentes, em reproduzir clichês programáticos de “precisamos reciclar o lixo”, “vamos economizar a água”, “é preciso cuidar da natureza”. O que quase não se discute dentro do eixo é que no Brasil, de acordo com os dados mais recentes do Censo Escolar 2022, existem aproximadamente 178 mil escolas de educação básica, sendo que, dentre essas, 27,4% são rurais. Mais de 48 mil escolas se encontram no campo, território onde a crise climática já não é previsão, mas realidade cotidiana (ver referências no final do texto).


Escolas Rurais, em sua grande maioria, já enfrentam condições de funcionamento precarizadas: salas multisseriadas, escassez de materiais didáticos, falta de profissionais e longas distâncias percorrida pelos estudantes fazem com que a Escola Rural seja marcada por uma defasagem de ensino. Para além de desafios logísticos, as escolas no Campo sofrem um preconceito enraizado no pensamento colonial de que a população camponesa, ribeirinha, quilombola, indígena e caiçara são “culturalmente atrasadas”, como se a função da escola fosse nivelá-las ao que se considera o padrão urbano de conhecimento.


Escola Municipal Rural de Educação Integral Polo Paraguai Mirim, Corumbá (MS) Créditos: Diário Corumbaense
Escola Municipal Rural de Educação Integral Polo Paraguai Mirim, Corumbá (MS) Créditos: Diário Corumbaense

Essa lógica desconsidera por completo o que diz a Resolução CNE/CP nº 1, de 16 de agosto de 2023, que regulamenta a pedagogia da alternância. Essa forma de organização dos processos formativos, que tem como objetivo atender às comunidades do campo, dos rios e das florestas, deve respeitar os modos de vida, culturas, saberes e práticas produtivas locais. A proposta é respeitar as singularidades dos saberes tradicionais e práticas comunitárias – algo que, na maioria das vezes, permanece no papel.


A Educação do Campo, quando aplicada à sua essência, tem potencial transformador. Essa é a escola que acessa os indivíduos que residem onde as atividades agrícolas, pecuárias, extrativistas e manufatureiras dominam e, quando está atrelada a práticas de conscientização ambiental, desempenha um papel ativo na formação de pessoas comprometidas com a proteção do território no qual estão inseridas. 


A negação da pedagogia de alternância é também a negação da permanência das populações no campo. A escola que não forma para viver e transformar o território, forma para abandoná-lo. A Escola do Campo não deve ser apenas um espaço de formação tradicional, mas sim, um local para formar agentes transformadores pensando na construção de um futuro sustentável: precisamos de uma Educação do Campo e não apenas no campo (PANHO, 2017). 


A Educação do Campo, dentro do modelo de pedagogia de alternância, está longe de ser uma realidade para essas mais de 48 mil escolas. E, diante das mudanças climáticas, o cenário de precarização só se agrava. Com a crise climática e as perturbações que isso promove na aprendizagem, o abandono escolar em alunos presentes em áreas afetadas é cada vez mais alarmante. As catástrofes climáticas podem resultar na falta de interesse e motivação dos estudantes na escola e na aprendizagem, o que leva ao abandono precoce das instituições, muitas vezes de forma permanente. O aumento do estresse, da evasão e da insegurança alimentar são realidades vividas em muitas comunidades afetadas por desastres climáticos. Crianças enfrentam perdas materiais, rupturas com o cotidiano e a dificuldade de aprender quando a própria natureza ensinada nos livros já não corresponde ao que se vê pela janela.


A relação entre os eventos culminantes da crise climática e o abandono temporário ou permanente da escola está relacionado a uma multiplicidade de fatores que dificulta a mitigação do fenômeno. É urgente repensar a atuação das Escolas Rurais frente à crise climática. A omissão tem um custo humano altíssimo: o apagamento da identidade pantaneira, amazônida, sertaneja e tantos outros modos de vida que resistem em meio ao fogo, à seca, à enchente e ao abandono. 


A complexidade da análise do impacto de desastres ambientais na continuidade da educação de crianças em escolas rurais também perpassa relações econômico-culturais, como a falta de recursos, conflitos sociais, desigualdade de gênero, violência e as próprias deficiências da Educação do Campo. A crise climática para as crianças do campo é ter de lidar com os efeitos emocionais da perda do entorno no qual toda sua existência é pautada. 


Para crianças que moram em locais atingidos por desastres ambientais, o ecossistema afligido não é apenas um cenário externo, mas parte da constituição da sua identidade e senso de pertencimento. A destruição representa a ruptura dessa identidade, que, frente a um fenômeno devastador, resulta na desmotivação ao próprio processo de aprender, principalmente em temas que abordam a natureza. O aprendizado sobre o ecossistema torna-se emocionalmente difícil, já que a fauna e a flora discutidas nos livros já não representam a realidade externa.


A Educação do Campo deve fortalecer o sentido de pertencimento ao lugar. A destruição ambiental não pode ser tratada como fenômeno externo, mas como ruptura de laços afetivos, culturais e identitários. O trabalho pedagógico, portanto, deve auxiliar na construção do significado de crescer em locais passando por processos de destruição e garantir que a identidade da criança não seja pautada na escassez de recursos naturais.


A identidade das crianças do campo está atrelada diretamente à natureza, sendo essa fonte e espaço que toda sua vida permeia. As mudanças nesse cenário, diminuição de fauna e flora, além de desastres climáticos cada vez mais recorrentes, impactam diretamente na construção do entendimento da identidade dessas crianças, sendo que o papel da escola é o de auxiliar na interpretação dos impactos observados no meio para que esses não sejam normalizados.


Fortalecer a Educação do Campo é uma escolha política.  É preciso viver bem onde se nasce. As crianças do campo têm o direito de aprender sobre a natureza não como uma abstração, mas como parte de si mesmas. Em tempos de colapso climático, a escola deve ser trincheira e abrigo, mas também lugar de sonho, luta e pertencimento. Afinal, educar no campo é educar para que o campo continue existindo.


Beatriz Faria Dias é educadora e gestora de projetos com atuação voltada para a interseção entre educação, sustentabilidade e desenvolvimento urbano. Atuou no Instituto Acaia Pantanal como responsável por projetos socioambientais voltados a comunidades ribeirinhas, com ênfase em geração de renda, agroecologia e educação climática. Foi jornalista do Estadão Mobilidade e hoje atua como especialista de conteúdos na plataforma Connected Smart Cities, desenvolvendo iniciativas para a construção de cidades mais inclusivas e sustentáveis. Atualmente, cursa MBA em Gestão de Projetos pela USP/Esalq, com pesquisa voltada à mobilidade urbana a partir da escuta de crianças e da perspectiva de justiça socioambiental.


O "Fala, Fellow!" é publicado toda sexta-feira, no Instagram dando voz às ideias, reflexões e talentos da juventude da nossa rede. Esse espaço será dedicado a produções autorais, que podem ter diversas formas: texto, vídeo, arte visual, poesia ou o que a expressão de cada pessoa mandar, desde que tenha a ver com as mudanças climáticas, meio ambiente, sustentabilidade e claro, a COP30 que está aí na nossa porta! E os fellows devem usar este link para enviar sua colaboração.


A ideia é inspirar outras pessoas, ampliar e fortalecer a nossa rede, promover a troca e dar visibilidade a atuação de vocês, nossos queridos fellows.


Referências

AMERICANO, Renata Queiroz de Moraes; SILVA, Anamaria Santana da. A formação inicial dos professores para trabalhar nas escolas do campo: qual o papel dos cursos de Pedagogia?. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 30, n. 61, p. 47-64, jan./mar. 2021. Epub 18 out. 2021

BRASIL. Educação do Campo. Ministério da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/publicacoes-para-professores/30000-uncategorised/90931-educacao-do-campo. Acesso em: 7 nov. 2024.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Boletim de combate aos incêndios no Pantanal: 9 de julho. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/secd/combate-aos-incendios-no-pantanal/boletins-combate-aos-incendios-no-pantanal/boletim-pantanal-9-de-julho/. Acesso em: 7 nov. 2024.

BUDNYK, Olena; KOTYK, Mykhaylo; FOMIN, Kateryna; POPENIUK, Yuliia; LYTVYN, Inna; MATSUK, Lyudmila. Rural Education in Times of War – The case of Ukraine. Revista Brasileira de Educação do Campo, Tocantinópolis, v. 9, e19195, 2024.

COSTA, Liliana Eliza Mello; ESQUER, Dilson Vilalva. Minha terra: horta, culinária e pertencimento. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n. 7, p. 45405-45415, jul. 2020.

FINATTO, Roberto Antônio; FARIAS, Maria Isabel. Questões analíticas e propositivas para transformar a escola do campo em um lugar. Revista Brasileira de Educação do Campo, v. 9, e16741. UFNT, 2024.

NOZU, Washington Cesar Shoiti; KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães. Inclusão em Escolas das Águas do Pantanal: entre influências globais e particularidades locais. Revista Educação Especial, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil, v. 33, n. 3, p. 331-347, nov. 2020.




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