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Ambientalismo Interseccional

A vulnerabilidade das minorias na crise do clima e a importância da justiça climática.


Quando eu era criança ficava bastante apreensiva em participar dos projetos escolares sobre desenvolvimento sustentável, na semana do meio ambiente. E esse receio vinha de ter que ouvir sobre a “Carta de 2050”, ver os vídeos das calotas polares derretendo ao som da música Diva no da banda Era, o mundo seco sem água, que me fazia chorar e questionar “por que estamos fazendo isso com o nosso lar?”. E mesmo tendo crescido ouvindo falar bastante sobre a RIO-92 e o protocolo de Quioto, mesmo que preocupada, ia me distanciando dessas atividades, pois sempre via o mesmo se repetindo todo ano, com vídeos apocalípticos e pouco debate profundo sobre o que poderíamos fazer.

Foi só no início da minha juventude e depois que entrei na universidade que comecei a ter aprofundamento com o tema do aquecimento global. Mas, só anos depois, entendi o motivo desse afastamento da pauta: falta da interseccionalidade quando falamos das questões climáticas. A falta de me reconhecer e reconhecer a minha região nesse transtorno, de entender que nós seres humanos somos o clima. Que a forma como vivemos, produzimos e consumimos trouxe a crise climática, e a maneira como o sistema opera afasta as pessoas da discussão e solução.

Ao longo das últimas décadas vimos a terra ficar cada vez mais quente e hoje, não restam dúvidas de que a ação humana não só aumentou a elevação dessas temperaturas, como agravou a situação. Segundo estudos, os 10% das pessoas mais ricas do mundo são responsáveis por metade das emissões de gás carbônico (CO2), enquanto a metade mais pobre da população mundial é responsável apenas por 10% das emissões de CO2. Talvez não seja do conhecimento de todos, mas é fato que os países que menos contribuem para o aquecimento do planeta são os mais afetados e pagam a conta por um estilo de vida que nunca desfrutaram e provavelmente não irão usufruir.

Ainda que os impactos das mudanças climáticas afetem a todos, é evidente que grupos sociais distintos são atingidos de diferentes maneiras e de formas diferenciadas, sendo particularizadas a intensidade e a capacidade desses grupos lidarem com essas sequelas. De acordo com as pesquisadoras Kuhnen e Rosendo “a crise ambiental e climática, resulta do reforço mútuo entre as formas de preconceito mais conhecidas e abordadas nas teorias críticas, como racismo, sexismo, classismo, imperialismo e colonialismo". Essas problemáticas estão presentes na pauta da justiça climática e no debate sobre justiça ambiental, atentando para fatores como acesso a renda e serviços básicos de saúde, educação e infraestrutura. Essa grande parcela da população já sente e experimentará ainda mais os impactos como secas prolongadas, enchentes frequentes, incêndios florestais, desertificação, elevação do nível do mar, perda de safra, insegurança alimentar e efeitos na saúde humana.

Um exemplo dessa injustiça climática ocorre com Bangladesh, um país com uma das menores pegadas de carbono no mundo, apesar disso é um grande afetado pelas mudanças do clima, e sofre com condições climáticas extremas por causa das chuvas pesadas de monções intensificadas a cada ano, que traz destruição e deixa a população suscetível a doenças. No Brasil não é diferente, quem mais paga a conta do aquecimento do planeta encontra-se no recorte de raça que é composto por indígenas, quilombolas, pela população periférica e no recorte de gênero com as mulheres mais expostas.

Aqui, o desequilíbrio ambiental nos últimos tempos, vai das cheias severas na região Norte, da desertificação acelerada do Nordeste, até as secas intensas principalmente no Sudeste e no Centro-Oeste. Uma pesquisa revelou uma nova consequência dessa crise, que é a ansiedade climática, onde nós, jovens brasileiros, preocupados com o futuro, mais precisamente 48% dos entrevistados da pesquisa, estamos repensando a nossa decisão de termos filhos por causa do temeroso futuro. Deixando o entendimento do sentimento de que os governantes estão falhando conosco com tantas promessas vazias.

Mais um impacto que vem aumentando são os refugiados do clima. Segundo a ONU, 80% das pessoas deslocadas pela mudança climática são mulheres, e o gênero ainda apresenta maior probabilidade de serem mais afetadas que os homens. Outro fator da desigualdade relatado entre homens e mulheres no que refere-se às questões climáticas é a maior probabilidade das mulheres viverem na pobreza, apresentando menor poder socioeconômico, onde a recuperação de desastres que afetam seus empregos, habitação e infraestrutura é dificultada. Ainda de acordo com a ONU, as mulheres das áreas rurais trabalham mais duro para alimentar suas famílias com as estações secas se tornando mais extensas.

Ao observarmos esses dados, é nítida a importância da interseccionalidade ambiental, que tem a visão de proteger a natureza e as pessoas, batalhando pelo meio ambiente, em favor dos direitos sociais e questões de gênero de forma interligada. A falta da representatividade da população afetada nos locais de tomada de decisão é ato do próprio sistema que mantém as mesmas discussões ultrapassadas, visando somente o lado econômico. Por vezes, usam da falta de informação da sociedade ou impedem que a própria participe das negociações de decisões que afetam em primeiro lugar os mais desfavorecidos. Como relata Lammy, deputado do Partido Trabalhista britânico, e Bapna, presidente e CEO interino do World Resources Institute, "nas tentativas de responder à crise, essas comunidades raramente conseguem um assento na mesa de tomada de decisão. Para que tanto a ação climática quanto o movimento por justiça racial sejam bem-sucedidos, essas questões precisam ser consideradas indissociáveis”. Essas questões devem estar unidas no planejamento e não deixar apenas em conceitos vazios que continuem perpetuando desigualdades nos territórios.” Discutir uma economia mais verde é importante, todavia não deveria estar acima das questões de saúde, segurança e felicidade das pessoas.

Não podemos falar de sustentabilidade e questões climáticas sem olhar para esses territórios e as condições que as pessoas se encontram. Precisamos de dignidade e de desfrutarmos dos nossos direitos básicos, gerando força para lutar contra esse sistema de produção que destrói os recursos naturais e a chance de uma vida equilibrada no planeta.

É importante educar e sensibilizar a sociedade a agir, pois vai refletir nas mudanças do mercado e no cenário político, porém, é necessária a busca pela solução das mazelas deixadas por anos de colonização, patriarcado e escravidão. É imprescindível dar voz a quem enfrenta na linha de frente os efeitos das mudanças climáticas, empoderar e deixar ecoar a vivência e sabedoria do mundo real para os momentos decisivos de negociações e implementações.

Atualmente estamos enfrentando várias crises ao mesmo tempo, que é o caso da crise sanitária com a pandemia da covid-19, a crise econômica no Brasil, por incompetência de governantes, e a crise climática. São crises entrelaçadas que precisam da interseccionalidade, pois não há justiça climática sem justiça racial, social e equidade de gênero. É preciso cada vez mais investir e conceder autonomia para os afetados por essa injustiça.

Cada um tem a sua “virada da chave” para atuar com questões climáticas muito específicas, que vêm de experiências ou por necessidade. A minha veio do acesso à informação, educação e empoderamento que recebi ao longo dos anos, onde me transformei para agir como voluntária, ativista e articuladora de organizações em prol de um ambientalismo interseccional com a justiça para tudo e todos. Sentir que somos parte da solução nos traz de volta os sonhos, a vontade de lutar e de acreditar em um presente e futuro mais justo e equilibrado.

Sobre a autora: Daniela Silva Cruz

É bacharel em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), ativista socioambiental, articuladora nacional do Engajamundo, voluntária do Global Youth Biodiversity Network - GYBN Brasil e integrante do Programa de Ativismo Climático - MUVUCA / NOSSAS. Como voluntária, vem atuando em organizações com pautas socioambientais, de justiça climática e sustentabilidade. Aprender sobre ambientalismo e sua interseccionalidade sempre foi de interesse e instiga a querer ser parte da solução contra a crise climática. Instagram | LinkedIn

Daniela Silva Cruz participou da 6ª edição do Curso YCL no segundo semestre de 2021 como bolsista. As referências e opiniões expressas no artigo são de responsabilidade da autora.

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